Conhece a prótese mecânica com INR alvo entre 1,5 e 2,0?


Por Mardson Medeiros   /

No ano de 2018, foi publicado no JACC um trabalho que testava estratégias de terapias antiagregantes e anticoagulantes para a prótese mecânica On-X®, que é constituída por um material de carbono pirolítico puro, com pivô mais liso e menos susceptível a eventos trombogênicos.

A plausibilidade biológica era de que, com um novo material menos trombogênico, seria possível reduzir o INR alvo ou, quem sabe, usar somente AAS e clopidogrel.

O PROACT trial foi um estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado, aberto, de não-inferioridade, realizado entre os anos de 2006 e 2014, com 576 pacientes.

Os pacientes foram divididos em um grupo de baixo risco tromboembólico e outro de alto risco.

No grupo de baixo risco, não podiam entrar pacientes com histórico de fibrilação atrial crônica, FEVE < 30%, átrio esquerdo maior que 50 mm, contraste atrial espontâneo ao ecocardiograma, doença vascular significativa, eventos neurológicos há menos de 1 ano, hipercoagulabilidade, aneurisma ventricular e mulheres em terapia de reposição hormonal. 

Pacientes que implantaram a prótese mecânica aórtica On-X® foram randomizados para dupla antiagregação plaquetária com AAS e clopidogrel (DAPT, n = 99) versus terapia padrão com warfarina e AAS (n = 102), três meses após a troca valvar aórtica (TVAo, braço de baixo risco). 375 pacientes com 1 ou mais fatores de risco tromboembólico foram também randomizados para warfarina em baixa intensidade mais 81 mg de AAS (INR de 1,5 a 2,0; n = 185) ou warfarina padrão mais 81 mg de AAS (INR de 2,0 a 3,0; n = 190), três meses após TVAo (braço de alto risco).

O desfecho primário foi composto por sangramento maior e menor, eventos tromboembólicos e trombose valvar.

O braço de baixo risco foi interrompido precocemente, devido ao excesso de eventos tromboembólicos cerebrais (3,12% por paciente-ano vs 0,29% por paciente-ano, p = 0.02) no grupo DAPT em um seguimento que estava previsto para até 8,8 anos, todavia, não houve diferenças em relação a sangramento ou mortalidade por todas as causas.

Os pacientes do braço de alto risco, com AAS e warfarina em baixa intensidade, tiveram menos sangramentos maiores (1,59% por paciente-ano vs 3,94% por paciente-ano, p = 0,002) e menores (1,27% por paciente-ano vs 3,49% por paciente-ano, p = 0,002) em até 8,7 anos de seguimento (média de 5 anos), sem diferença em relação a tromboembolismo 0,42% por paciente-ano vs 0,09% por paciente-ano, p = 0,20) e mortalidade por todas as causas.

No grupo de alto risco, somente 19 pacientes tinham fibrilação atrial no momento da randomização e nenhum deles tinha CHA2DS2-VASc maior que 1.

Não houve casos de anemia hemolítica nos pacientes estudados.

No braço de alto risco, em seguimento de 5 anos, a taxa de reoperação foi menor que 1% e não houve diferença significativa entre os grupos (0,74% por paciente-ano vs 0,37% por paciente-ano, p = 0,26)

As causas de reoperação foram endocardite (n = 5), leak perivalvar (n = 2), trombose de válvula (n = 3) e transplante cardíaco (n = 1).

O crossover foi baixo (11,9%; n = 22), do grupo de warfarina em baixa intensidade para o de nível padrão, principalmente devido a problemas tromboembólicos ou trombose de prótese. A análise foi por intenção de tratar.

Os autores concluíram que, neste cenário, DAPT estava associada com maiores taxas de tromboembolismo e trombose de válvula, quando comparada à terapia padrão com AAS e warfarina. Por outro lado, manter INR entre 1,5 e 2,0 em pacientes com a prótese mecânica de fibra de carbono mostrou menores taxas de sangramento sem diferença em termos de mortalidade e complicações tromboembólicas.


Nossa opinião:

O subgrupo de pacientes com fibrilação atrial e CHA2DS2-VASc >= 2,0 não entrou na randomização. Deste modo, parece mais prudente seguir com INR entre 2,0 e 3,0 nestes casos. Assim como naqueles com trombofilias, trombo instalado (ex.: TVP/TEP) ou eventos tromboembólicos de repetição (muito alto risco).

Todos os pacientes tiveram a oportunidade de fazer controle domiciliar de INR e 97% deles reportaram os resultados em intervalos regulares. 75% dos pacientes informaram o INR pelo menos duas vezes ao mês.

Nos pacientes do braço de alto risco, a percentagem de tempo com INR terapêutico foi de 66,4% no grupo controle e 55,3% no grupo tratamento.

Estes dados mostram o quanto é difícil manter o INR na faixa terapêutica. Este foi mais um insight do trabalho.

Isto nos faz refletir: se o grupo de INR entre 1,5-2,0 ficou 55,3% do tempo em faixa terapêutica, mesmo fazendo dosagem domiciliar, como estariam nossos pacientes do SUS, que moram em lugares afastados dos centros médicos?

Devemos lembrar também que não existe a “prótese perfeita” e, portanto, a indicação deve ser individualizada e de acordo com idade, fatores de risco (embólicos versus sangramentos), além das condições sócio-econômicas do paciente.

Lembrar que existem complicações tanto com próteses mecânicas quanto biológicas e reoperação, apesar de indesejada, pode ocorrer com ambas.

Os resultados deste trial não deveriam ser extrapolados para outras próteses mecânicas aórticas ou para troca valvar mitral com qualquer prótese.

Todos os pacientes estavam usando AAS, não sabemos como seriam os resultados somente com warfarina. 

Veja o algoritmo de anticoagulação para pacientes com a prótese mecânica On-X®, clicando aqui.

Fonte: Puskasew J, Gerdisch M, Nichols D, et al. Anticoagulation and Antiplatelet Strategies After On-X Mechanical Aortic Valve Replacement. J Am Coll Cardiol. 2017 Jun, 71 (24) 2717-2726. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2018.03.

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