Apixabana ou warfarina em pacientes com prótese aórtica mecânica On-X? PROACT Xa Trial
Por Mardson Medeiros /
O estudo PROACT Xa, publicado no dia 06 de maio de 2023, no New England Journal of Medicine, buscou responder esta questão [1]. Abaixo, destacamos os principais pontos do trabalho.
Contextualizando o tema
Pacientes com válvulas cardíacas mecânicas requerem anticoagulação ao longo da vida com antagonistas da vitamina K para prevenir trombose valvar e tromboembolismo relacionado à válvula. A warfarina tem uma janela terapêutica estreita e inúmeras interações alimentares e medicamentosas, exigindo assim monitoramento sanguíneo frequente. Essas limitações influenciam as preferências dos pacientes e decisões dos médicos de usar válvulas mecânicas versus válvulas biológicas, incluindo aquelas que podem ser implantadas não cirurgicamente. Os anticoagulantes orais diretos são alternativas eficazes à warfarina para prevenir eventos tromboembólicos e podem ser mais seguros do que a warfarina com taxas mais baixas de sangramento intracraniano em pacientes com fibrilação atrial e tromboembolismo venoso [2-6]. No entanto, o inibidor direto da trombina dabigatrana falhou em prevenir eventos tromboembólicos em pacientes com válvulas mecânicas e o uso de anticoagulantes orais diretos em pacientes com válvulas mecânicas é atualmente contra-indicado [7-9].
As características de material e design da válvula mecânica On-X podem torná-la menos suscetível à trombose do que outras válvulas cardíacas mecânicas e os resultados do PROACT trial (Prospective Randomized On-X Anticoagulation Clinical Trial) sugeriram que a válvula aórtica On-X pode ser usada com uma intensidade mais baixa de anticoagulação com warfarina, medida pela razão normalizada internacional (INR), do que outras válvulas cardíacas mecânicas [10], sendo que este trabalho já foi discutido em detalhes aqui no blog.
Dados pré-clínicos sugeriram que a apixabana poderia ser uma alternativa eficaz para warfarina na profilaxia de tromboembolismo em pacientes com válvulas cardíacas mecânicas [11]. O objetivo do estudo PROACT Xa foi determinar se apixabana era não inferior à warfarina na prevenção de trombose valvar ou tromboembolismo relacionado à válvula em pacientes com válvula aórtica mecânica On-X e também se a apixabana forneceu anticoagulação aceitável com base nos critérios estabelecidos pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA.
Metodologia
Tratou-se de estudo prospectivo, de não inferioridade, randomizado, aberto com adjudicação cega* do desfecho primário e financiado pela indústria (Artivion, fabricante da prótese On-X).
* O que é adjudicação cega de endpoint? Procedimento pelo qual eventos clínicos identificados como os endpoints potenciais são submetidos a um painel de especialistas independentes para serem avaliados de forma cega.
Os participantes foram inscritos em 64 centros nos Estados Unidos e eram elegíveis para inclusão se tivessem pelo menos 18 anos de idade, fossem submetidos ao implante de uma prótese valvar aórtica mecânica On-X há pelo menos 3 meses da randomização (antes de 3 meses, não podia ser randomizado: guardem esta informação destacada, pois vamos discutir mais adiante) e pudessem receber warfarina em uma faixa de INR alvo entre 2,0 e 3,0. Além disso, os participantes foram obrigados a tomar aspirina 81 mg diariamente ou ter uma contraindicação documentada para o uso de aspirina (o protocolo do PROACT trial também incluía uso da aspirina, leia aqui).
O desfecho primário de eficácia foi o composto de trombose da válvula ou tromboembolismo relacionado à válvula.
A taxa de eventos do desfecho primário de eficácia foi projetada em 1,75%/paciente-ano com varfarina com base na experiência disponível com a válvula aórtica On-X [10].
Com uma taxa de eventos similar assumida de 1,75%/paciente-ano nos grupos varfarina e apixabana, uma margem de não inferioridade absoluta de 1,75%/paciente-ano (equivalente a dobrar a taxa de eventos), um alfa unilateral de 2,5%, 90% de poder e 5% de possível perda de seguimento, o tamanho estimado da amostra foi de 990 pacientes [1].
Assim, na análise primária, a não inferioridade seria concluída se o limite superior do IC de 95% da diferença (apixabana menos taxas de eventos de warfarina) fosse inferior a 1,75%/paciente-ano.
Resultados
Entre maio de 2020 e setembro de 2022, 863 participantes chegaram a ser randomizados, contudo, em 21 de setembro de 2022, o conselho de monitoramento de segurança de dados recomendou por unanimidade interromper o estudo com base em uma taxa mais alta de eventos tromboembólicos em participantes randomizados para apixabana do que naqueles designados para warfarina. A maioria (94%) dos participantes tomava também aspirina.
Ocorreu um total de 26 eventos de desfecho primário, sendo 20 no grupo apixabana (4,2%/paciente-ano; intervalo de confiança [IC] de 95%, 2,3 a 6,0) e 6 no grupo warfarina (1,3%/paciente-ano; IC 95%, 0,3 a 2,3). A diferença nas taxas de desfecho primário entre os grupos apixabana e warfarina foi de 2,9 (95% CI, 0,8 a 5,0). Os critérios de não inferioridade, portanto, não foram atendidos. As taxas de sangramento maior foram 3,6%/paciente-ano com apixabana e 4,5%/paciente-ano com warfarina.
Discussão
O primeiro estudo com um anticoagulante oral direto (DOAC), dabigatrana, em pacientes submetidos a troca valvar cardíaca mecânica aórtica (70%), mitral (26%) ou mitral e aórtica (4%) foi interrompido precocemente devido a taxas mais altas de eventos tromboembólicos e hemorrágicos em pacientes designados para dabigatrana em comparação com warfarina; muitos dos eventos tromboembólicos e todo o excesso de sangramento significativo ocorreram no período pós-operatório imediato [7]. 79% dos pacientes foram randomizados ainda na fase intrahospitalar pós-operatória da troca valvar. Somente 21% dos pacientes estudados haviam implantado a prótese há mais de 3 meses.
As válvulas aórticas mecânicas têm maior velocidade de fluxo e, portanto, são menos propensas a complicações trombóticas do que as válvulas mitrais mecânicas [12].
No PROACT Xa, a ideia foi incluir pacientes com válvula On-X e apenas na posição aórtica, pelo menos 3 meses após a cirurgia valvar, utilizando um inibidor seletivo do fator Xa com melhor biodisponibilidade e perfil de sangramento mais favorável do que o dabigatrana [13].
Mesmo com essas modificações metodológicas em relação ao trabalho prévio, apixabana não foi eficaz na prevenção de trombose valvular ou tromboembolismo relacionado à valva.
Conclusão
A apixabana não conseguiu demonstrar a não inferioridade à warfarina e foi menos eficaz do que a warfarina para a prevenção de trombose valvular ou tromboembolismo em pacientes com válvula aórtica mecânica On-X.
Impacto na prática clinica:
A warfarina continua sendo a droga de escolha nos pacientes portadores de prótese mecânica.
Referências bibliográficas:
1. Wang TY, Svensson LG, Lopes RD, et al. Apixaban or Warfarin in Patients with an On-X Mechanical Aortic Valve. N Engl J Med May 6, 2023; DOI: 10.1056/EVIDoa2300067
2. Agnelli G, Buller HR, Cohen A, et al. Apixaban for extended treatment of venous thromboembolism. N Engl J Med 2013;368:699-708. DOI: 10.1056/NEJMoa1207541.
3. Granger CB, Alexander JH, McMurray JJV, et al. Apixaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med 2011;365:981-992. DOI: 10.1056/NEJMoa1107039.
4. Lopes RD, Heizer G, Aronson R, et al. Antithrombotic therapy after acute coronary syndrome or PCI in atrial fibrillation. N Engl J Med 2019;380:1509-1524. DOI: 10.1056/NEJMoa1817083.
5. Carrier M, Abou-Nassar K, Mallick R, et al. Apixaban to prevent venous thromboembolism in patients with cancer. N Engl J Med 2019;380:711-719. DOI: 10.1056/NEJMoa1814468.
6. Lassen MR, Gallus A, Raskob GE, et al. Apixaban versus enoxaparin for thromboprophylaxis after hip replacement. N Engl J Med 2010;363:2487-2498. DOI: 10.1056/NEJMoa1006885.
7. Eikelboom JW, Connolly SJ, Brueckmann M, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with mechanical heart valves. N Engl J Med 2013;369:1206-1214. DOI: 10.1056/NEJMoa1300615.
8. Kalra A, Raza S, Jafry BH, et al. Off-label use of direct oral anticoagulants in patients receiving surgical mechanical and bioprosthetic heart valves. JAMA Netw Open 2021;4:e211259. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2021.1259.
9. Otto CM, Nishimura RA, Bonow RO, et al. 2020 ACC/AHA guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation 2021;143:e72-e227.
10. Puskas JD, Gerdisch M, Nichols D, et al. Anticoagulation and Antiplatelet Strategies After On-X Mechanical Aortic Valve Replacement. J Am Coll Cardiol. 2017 Jun, 71 (24) 2717-2726.
11. Lester PA, Coleman DM, Diaz JA, et al. Apixaban versus warfarin for mechanical heart valve thromboprophylaxis in a swine aortic heterotopic valve model. Arterioscler Thromb Vasc Biol 2017;37:942-948. DOI: 10.1161/ATVBAHA.116.308649.
12. On-X Life Technologies Inc. On-X prosthetic heart valve: instructions for use. https://www.onxlti.com/wp-content/uploads/2019/05/010122103A-On-X-IFU-Booklet-English-Website-Version.pdf.
13. Jawitz OK, Wang TY, Lopes RD, et al. Rationale and design of PROACT Xa: a randomized, multicenter, open-label, clinical trial to evaluate the efficacy and safety of apixaban versus warfarin in patients with a mechanical On-X aortic heart valve. Am Heart J 2020;227:91-99. DOI: 10.1016/j.ahj.2020.06.014.
A warfarina continua sobrevivendo
ResponderExcluir