Resumo sobre tumores cardíacos

 Por Mardson Medeiros   /


Os tumores cardíacos primários são extremamente raros [1].  Como exemplo, em uma série de mais de 12.000 autópsias, apenas sete foram identificadas, com uma incidência inferior a 0,1 por cento [2].  Em comparação, o envolvimento metastático do coração é 20 vezes mais comum e foi relatado em séries de autópsias em até um em cada cinco pacientes que morreram de câncer [2-4].

Os tumores cardíacos podem ser sintomáticos ou encontrados incidentalmente durante a avaliação de um problema aparentemente não relacionado ou achado físico. Geralmente são detectados durante exame de imagem, seja um ecocardiografia, uma ressonância magnética ou uma tomografia computadorizada.

Manifestações clínicas – Os sinais e sintomas de um tumor cardíaco são amplamente determinados pela localização do tumor e não por sua histopatologia [5].  Tais sintomas são causados por obstrução da circulação, interferência em válvulas cardíacas, invasão direta do miocárdio, invasão do pulmão adjacente e/ou embolização.


Avaliação diagnóstica – Se houver suspeita de tumor cardíaco, exames de imagem são usados ​​para identificar, localizar e caracterizar a massa. 

- Imagem inicial – A imagem inicial geralmente é realizada por ecocardiografia. Beroukhim et al avaliou a acurácia diagnóstica da Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) para o diagnóstico de tumores cardíacos em crianças e encontrou como resultado que em 70% dos 174 casos, ambos os revisores obtiveram um diagnóstico correto (94% dos fibromas, 71% dos rabdomiomas e 50% dos mixomas) [6]. Para mais detalhes sobre este trabalho, clique aqui.

- Exames adicionais – Imagens adicionais são realizadas conforme indicado clinicamente com base na apresentação clínica e nos achados de imagem iniciais.

   • Angiografia coronária – A avaliação pré-operatória de tumores que ocorrem ou invadem a superfície epicárdica do coração geralmente deve incluir angiografia coronária para identificar distorção das artérias coronárias e determinar o suprimento sanguíneo coronariano do tumor [5].

   • Biópsia cardíaca – A biópsia cardíaca transvenosa ou transarterial para diagnóstico tumoral tem indicações específicas, mas limitadas, na avaliação diagnóstica de tumores cardíacos. Para tumores que parecem difusos ou irressecáveis ​​por técnicas não invasivas, uma biópsia percutânea pode ser útil para orientar o tratamento não cirúrgico subsequente, se os benefícios potenciais forem considerados suficientes para superar os riscos potenciais [5].


Tumores cardíacos benignos – Mais de 75% dos tumores cardíacos são benignos [5]. Em adultos, a maioria das lesões benignas são mixomas;  outras lesões benignas comuns incluem fibroelastomas papilares e lipomas.  Em crianças, rabdomiomas e fibromas são os mais comuns;  os tumores malignos são muito raros [7].

Entre 1957 e março de 1991, 106 pacientes com 110 neoplasias originárias do coração foram tratados cirurgicamente na Mayo Clinic e tiveram material patológico disponível para revisão. O grupo de estudo foi composto por 39 pacientes do sexo masculino e 67 do sexo feminino, com idade variando de 2 a 80 anos.  Mixomas atriais benignos (64 no átrio esquerdo e 16 no átrio direito) foram as neoplasias mais encontradas. Os outros tumores benignos foram nove fibromas, cinco tumores lipomatosos, sete papilomas fibroelásticos valvares e um hamartoma cardíaco (chamado cardiomiopatia oncocítica) [7].

Aproximadamente 80% dos mixomas surgem no átrio esquerdo e a maior parte do restante é encontrada no átrio direito [7].  Os mixomas geralmente são tratados com ressecção cirúrgica imediata, devido ao risco de embolização e outras complicações cardiovasculares [5].

Os rabdomiomas (hamartomas) são os tumores cardíacos primários mais comuns no feto e na criança, podendo representar mais de 60% dos casos, seguidos, pelos teratomas, fibromas, hemangiomas e mixomas [8].

Os rabdomiomas apresentam uma evolução geralmente benigna, havendo relatos de casos com regressão ainda no período pré-natal, particularmente no terceiro trimestre e progressiva diminuição do tumor com completa resolução em mais de 80% durante a infância [9-11].

Apesar do baixo risco de complicações no período pré-natal, há frequente associação dos rabdomiomas com a esclerose tuberosa (50% a 80%), que pode alterar o prognóstico dos pacientes afetados após o nascimento [9,10].

O diagnóstico pode ser realizado, inclusive no feto, utilizando-se métodos de diagnóstico por imagem, principalmente através da ultrassonografia, ecocardiografia e ressonância magnética [9-11].

O tratamento dos rabdomiomas na maioria das vezes é expectante, sem necessidade de interrupção da gestação ou abordagem cirúrgica. Sendo esta última, reservada para os casos complicados e com repercussão hemodinâmica [10,12].


Tumores cardíacos malignos primários – Os tumores malignos primários do coração são raros;  a maioria destes são sarcomas [7]. No estudo de Tazelaar e colaboradores, os angiossarcomas originaram-se no átrio direito e os demais tumores malignos originaram-se no átrio esquerdo, sendo a presença de figuras mitóticas a característica histológica que mais frequentemente predisse um desfecho clínico adverso, embora tumores altamente celulares e aqueles com necrose também tenderam a ter um curso maligno [7].

Os sarcomas primários que surgem no coração geralmente são rapidamente progressivos e causam a morte por infiltração do miocárdio, obstrução da circulação ou por metástases à distância.  Quando viável, o tratamento é cirúrgico, embora a maioria desses tumores recorra com relativa rapidez [5].


Tumores cardíacos secundários em decorrência de metástases – O envolvimento metastático do coração com tumores cardíacos secundários é relativamente frequente e pode resultar de disseminação hematogênica, invasão direta ou crescimento tumoral através da veia cava até o átrio direito. Em uma das maiores séries de autópsias com mais de 1.900 pacientes que morreram de câncer, 8% tinham doença metastática envolvendo o coração [4].

O melanoma maligno é particularmente propenso a metástase para o coração [13].  Também pode ocorrer envolvimento cardíaco secundário com malignidades hematológicas, como leucemia e linfoma [5].

Metástases cardíacas ou pericárdicas devem ser consideradas sempre que um paciente com malignidade conhecida desenvolver sintomas cardiovasculares.

Em relação aos tumores cardíacos, de maneira geral, as complicações mais graves são a obstrução da via de saída ventricular e eventos tromboembólicos, que estão associados a um prognóstico ruim mesmo quando se tenta cirurgia.

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Referências bibliográficas:

1. Reynen KFrequency of primary tumors of the heart. Am J Cardiol. 1996;77(1):107.

2. Lam KY, Dickens P, Chan AC. Tumors of the heart. A 20-year experience with a review of 12,485 consecutive autopsies. Arch Pathol Lab Med. 1993;117(10):1027.

3. Salcedo EE, Cohen GI, White RD, Davison MB. Cardiac tumors: diagnosis and management. Curr Probl Cardiol. 1992;17(2):73.

4. Silvestri F, Bussani R, Pavletic N, Mannone T. Metastases of the heart and pericardium. G Ital Cardiol. 1997;27(12):1252.

5. Salm T, Colucci W. Cardiac Tumors. UpToDate. Acesso realizado em 14/08/2022.

6. Beroukhim RS, Ghelani S, Ashwath R, et al. Accuracy of Cardiac Magnetic Resonance Imaging in Diagnosing Pediatric Cardiac Masses: A Multicenter Study. JACC Cardiovasc Imaging. 2022 Aug;15(8):1391-1405. doi:10.1016/j.jcmg.2021.07.010. Epub 2021Aug 18. PMID; 34419404.

7. Tazelaar HD, Locke TJ, McGregor CG. Pathology of surgically excised primary cardiac tumors. Mayo Clin Proc. 1992;67(10):957.

8. Mariano A, Pita A, León R, Rossi R, Gouveia R, Teixeira A, Ferreira R, Anjos R, Menezes I, Martins FM. Primary cardiac tumors in children: a 16-year experience. Rev Port Cardiol. 2009 Mar;28(3):279-88. English, Portuguese. PMID: 19480311.

9. Carvalho SRM, Marcolin AC, Cavalli RC, Crott GC, Mendes MC, Duarte G, et al. Rabdomiomas cardíacos fetais: análise de cinco casos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(4):156-62.

10. Karigyo CJT, Silva FBF. Tumores cardíacos: uma breve revisão da literatura. Rev Med Res. 2014 Jan/Mar;16(1):1-72.

11. Guimarães Filho HA, Araújo Junior E, Pires CR, Costa LLD, Nardozza LMM, Matar R. Diagnóstico pré-natal de rabdomioma cardíaco fetal pela ultrassonografia: relato de caso. Radiol Bras. 2009 Jun;42(3):203- 5.

12. Rivera IR, Silva MAM, Gama HC, Cavalcanti RC. Tumores primários benignos do coração: mixoma e rabdomioma. Similaridades e diferenças: relatos de caso de duas malformações raras. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2010 Jul/Set;23(3):109-11.

13. Savoia P, Fierro MT, Zaccagna A, Bernengo MG. Metastatic melanoma of the heart. J Surg Oncol. 2000;75(3):203.

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