Como selecionar pacientes com AVC criptogênico para o fechamento de Forame Oval Patente (FOP)? Classificação PASCAL e o escore RoPE

Por Mardson Medeiros   /


O Forame Oval Patente (FOP) é ​uma falha de fusão dos septos atriais primum e secundum após o nascimento e parece estar relacionado com até 10% dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) em jovens e adultos jovens de 18 a 60 anos de idade. 1

Seis trials principais foram publicados para avaliar o fechamento de FOP mais terapia medicamentosa versus terapia medicamentosa sozinha, em pacientes com AVC criptogênico. Os três primeiros (CLOSURE trial de 2010, PC trial e RESPECT trial, ambos de 2013) não mostraram benefício clínico com o fechamento do FOP. 2-4  Posteriormente, em 2017, foram publicados, simultaneamente no New England Journal of Medicine (NEJM), mais três trabalhos (todos abertos) que sugeriram benefício com o fechamento do FOP. 5-7

Muito se discutiu sobre as diferenças metodológicas entre estes estudos para tentar explicar o porquê dos resultados conflitantes.

Recentemente, em 2021, foi publicada uma metanálise destes  seis trabalhos, sugerindo o uso de escores para melhor selecionar o grupo de pacientes que teria maior probabilidade de se beneficiar com o fechamento do FOP. 8

A proposta foi a de utilizar a classificação PASCAL para avaliar a probabilidade pré-teste do AVC criptogênico estar associado com o FOP. A seguir, aplica-se um teste (escore RoPE, Risk of Paradoxical Embolism) para estimar a probabilidade pós-teste. 9

A probabilidade pré-teste foi classificada assim:

a) baixa, quando FOP pequeno e sem aneurisma do septo interatrial (SIA)

b) moderada, quando FOP grande mais aneurisma do SIA

c) alta, quando paciente com diagnóstico concomitante de embolia pulmonar (TEP) ou trombose venosa profunda (TVP), com FOP grande identificado ou FOP mais aneurisma de SIA

d) muito alta, quando FOP com trombo aderido no forame, visualizado durante a realização do exame de imagem


Após a definição da probabilidade pré-teste, aplica-se o escore RoPE, que pontua de acordo com as seguintes características:

a) sem história de hipertensão (HAS), 1 ponto

b) sem história de diabetes mellitus (DM), 1 ponto

c) sem histórico de AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT), 1 ponto

d) sem tabagismo, 1 ponto

e) exame de imagem com infarto cortical, 1 ponto

f) 18 a 29 anos, 5 pontos

g) 30 a 39 anos, 4 pontos

h) 40 a 49 anos, 3 pontos

i) 50 a 59 anos, 2 pontos

j) 60 a 69 anos, 1 ponto

l) >= 70 anos, zero ponto

A pontuação máxima (10 pontos) será alcançada por um paciente com menos de 30 anos, sem HAS, sem DM, sem história de AVC ou AIT, sem tabagismo e com infarto cortical.

A pontuação mínima será alcançada por um paciente com 70 anos ou mais, HAS, DM, com passado de AVC ou AIT, tabagista e sem infarto cortical.

Um escore RoPE >= 7 pontos aumenta a probabilidade de associação causal.

Pronto, agora vamos aplicar o escore RoPE (nosso teste) de acordo com a probabilidade pré-teste:

1. PASCAL baixo com RoPE < 7, é improvável que o FOP esteja associado com o AVC em questão;

2. PASCAL baixo com RoPE >= 7, é possível que o FOP esteja associado com o AVC (mas probabilidade pós-teste ainda baixa)

3. PASCAL moderado com RoPE < 7, é possível que o FOP esteja associado com o AVC (probabilidade pós-teste moderada)

4. PASCAL moderado com RoPE >= 7, é provável que o FOP esteja associado com o AVC (probabilidade pós-teste alta)

5. PASCAL alto com RoPE < 7,  é provável que o FOP esteja associado com o AVC (probabilidade pós-teste alta)

6. PASCAL alto com RoPE >= 7, é muito provável que o FOP esteja associado com o AVC (probabilidade pós-teste muito alta)

7. PASCAL muito alto com RoPE < 7, diagnóstico definido

8. PASCAL muito alto com RoPE >= 7, diagnóstico definido


O exame complementar mais empregado para o diagnóstico de FOP é o Ecocardiograma Transesofágico (ETE) com o uso de solução salina agitada (macrobolhas), associada com a manobra de Valsalva. 10

Além da detecção do shunt, o ETE avalia as características anatômicas do FOP, assim como o diagnóstico diferencial com a comunicação interatrial e com o shunt pulmonar. 10

O ETE com macrobolhas e manobra de Valsalva apresenta sensibilidade de 89% e especificidade de 92%, quando comparada com a autópsia, considerada o padrão-ouro. 11 A razão de probabilidade positiva é de 11 (fecha diagnóstico de FOP quando exame é positivo) e a razão de probabilidade negativa é de 0,12 (moderada probabilidade de realmente não haver FOP, quando o exame é negativo).

A sensibilidade do ecocardiograma transtorácico (ETT) varia bastante entre os estudos (32% a 100%), assim como a especificidade 55% a 97%. 12-15 A grande preocupação, em relação ao ETT, é com os falsos negativos, que podem variar de 18-43% enquanto os falsos positivos são menos frequentes, variando entre 5% a 8%. 12-15 E quanto maior é o shunt, melhor é a acurácia. 12-16 Um estudo sugeriu que o ETT não foi capaz de detectar 71% dos pequenos shunts vistos ao doppler transcraniano, mas só deixou de identificar 21% dos shunts grandes. 16

Apesar de o doppler transcraniano ter boa acurácia, ele apresenta insensibilidade para fazer o diagnóstico diferencial entre shunt cardíaco e pulmonar, além da limitação no diagnóstico das alterações anatômicas do FOP, como a presença de aneurisma de septo interatrial e a mobilidade do septo. 10

Importante ressaltar também que até 27% da população saudável pode apresentar FOP sem nenhuma manifestação clínica ao longo a vida. 17

Nos pacientes com AVC embólico sem uma causa evidente definida, parece razoável usar o sistema de classificação PASCAL, associado ao escore RoPE, para tentar estabelecer uma possível relação causal entre FOP e AVC e, assim, auxiliar na decisão de partir para um fechamento de Forame Oval Patente. Pacientes com grande shunt, aneurisma do SIA e RoPE > 6 seriam os candidatos.

Nota: Clique na imagem acima para vê-la em qualidade aumentada. Este algoritmo não pretende substituir o julgamento clínico. Conduza de forma individualizada,  de acordo com as necessidades e particularidades do seu paciente.

Siga nosso instagram para receber notificações sobre novas postagens. Acompanhe os stories!


Referências bibliográficas:

1. Saver JL, Mattle HP, Thaler D. Patent foramen ovale closure versus medical therapy for cryptogenic ischemic stroke: a topical review. Stroke. 2018;49(6):1541-1548. doi:10.1161/STROKEAHA.117.018153

2. Furlan AJ, Reisman M, Massaro J, Mauri L, Adams H, Albers GW, Felberg R, Herrmann H, Kar S, Landzberg M, Raizner A, Wechsler L; CLOSURE I Investigators. Closure or medical therapy for cryptogenic stroke with patent foramen ovale. N Engl J Med. 2012;366(11):991-9. doi: 10.1056/NEJMoa1009639

3. Carroll JD, Saver JL, Thaler DE, Smalling RW, Berry S, MacDonald LA, Marks DS, Tirschwell DL; RESPECT Investigators. Closure of patent foramen ovale versus medical therapy after cryptogenic stroke. N Engl J Med. 2013;368(12):1092-100. doi: 10.1056/NEJMoa1301440

4. Meier B, Kalesan B, Mattle HP, et al. PC Trial Investigators. Percutaneous closure of patent foramen ovale in cryptogenic embolism. N Engl J Med. 2013;368(12):1083-91. doi: 10.1056/NEJMoa1211716

5. Mas JL, Derumeaux G, Guillon B, et al. CLOSE Investigators. Patent Foramen Ovale Closure or Anticoagulation vs. Antiplatelets after Stroke. N Engl J Med. 2017;377(11):1011-1021. doi: 10.1056/NEJMoa1705915 

6. Søndergaard L, Kasner SE, Rhodes JF, Andersen G, Iversen HK, Nielsen-Kudsk JE, Settergren M, Sjöstrand C, Roine RO, Hildick-Smith D, Spence JD, Thomassen L; Gore REDUCE Clinical Study Investigators. Patent Foramen Ovale Closure or Antiplatelet Therapy for Cryptogenic Stroke. N Engl J Med. 2017;377(11):1033-1042. doi: 10.1056/NEJMoa1707404. Erratum in: N Engl J Med. 2020;382(10):978.

7. Saver JL, Carroll JD, Thaler DE, Smalling RW, MacDonald LA, Marks DS, Tirschwell DL; RESPECT Investigators. Long-Term Outcomes of Patent Foramen Ovale Closure or Medical Therapy after Stroke. N Engl J Med. 2017;377(11):1022-1032. doi: 10.1056/NEJMoa1610057

8. Kent DM, Saver JL, Kasner SE, et al. Heterogeneity of Treatment Effects in an Analysis of Pooled Individual Patient Data From Randomized Trials of Device Closure of Patent Foramen Ovale After Stroke. JAMA. 2021;326(22):2277–2286. doi:10.1001/jama.2021.20956

9. Thaler DE, Di Angelantonio E, Di Tullio MR, Donovan JS, Griffith J, Homma S, et al. The risk of paradoxical embolism (RoPE) study: initial description of the completed database. Int J Stroke. 2013;8(8):612-9. doi: 10.1111/j.1747-4949.2012.00843.x

10. Silveira CAM, Castillo JM Del. Avaliação Ecocardiográfica de Pacientes com Forame Oval Patente e Acidente Vascular Cerebral Criptogênico. ABC., imagem cardiovasc; 34(1)2021. doi: 10.47593/2675-312X/20213401eabc123

11. Mojadidi MK, Bogush N, Caceres JD, Msaouel P, Tobis JM. Diagnostic accuracy of transesophageal echocardiogram for the detection of patent foramen ovale: a meta-analysis. Echocardiography. 2014;31(6):752-8. doi: 10.1111/echo.1246

12. Martínez-Sanchez, P, Medina-Baez, J, Lara-Lara, M: Low sensitivity of the echocardiograph compared with contrast transcranial Doppler in right-to-left shunt. Neurology 2012;27(2):6167

13. Nemec, JJ, Marwick, TH, Lorig, RJ: Comparison of transcranial Doppler ultrasound and transesophageal contrast echocardiography in the detection of interatrial right-to-left shunts. Am J Cardiol 1991;68(15):14981502

14. Belkin, R, Pollack, B, Ruggiero, M: Comparison of transesophageal and transthoracic echocardiography with contrast and color flow Doppler in the detection of patent foramen ovale. Am Heart J 1994;128(3):520525

15. Zito, C, Dattilo, G, Oreto, G: Patent foramen ovale: comparison among diagnostic strategies in cryptogenic stroke and migraine. Echocardiography 2009;26(5):495503

16. Souteyrand, G, Motreff, P, Cassagnes, J: Comparison of transthoracic echocardiography using second harmonic imaging, transcranial Doppler and transesophageal echocardiography for the detection of patent foramen ovale in stroke patients. Eur J Echocardiogr 2006;7(2):147154.

17. Ren P, Xie M. Diagnostic accuracy of transthoracic echocardiography for patent foramen ovale: a systematic review and meya-analysis. Heart 2012;98:E304


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sobrevivente de parada cardiorrespiratória por qualquer ritmo, quando encaminhar para o cateterismo cardíaco? Parte 2: TOMAHAWK trial

12 eletrocardiogramas (ECG) com supradesnivelamento do segmento ST (SST) e somente 3 são de origem isquêmica: como identificar SST isquêmico pelo ECG?

Qual a melhor técnica de fixação do marca-passo transvenoso? FIX-IT trial