Como fazer diagnóstico de miocárdio não compactado pelo ecocardiograma? Os critérios de Jenni


Por Mardson Medeiros  / Série: trabalhos clássicos  /

O termo Miocárdio Não Compactado (MNC) refere-se a um fenótipo cardíaco, caracterizado por trabeculações proeminentes no ventrículo com recessos intertrabeculares profundos. O miocárdio não compactado do ventrículo esquerdo (MNCVE) foi previamente chamado de miocárdio esponjoso, mas este termo não tem sido mais utilizado.

Por definição, MNCVE ocorre na ausência de outra anormalidade congênita cardíaca. 

Somente a presença das trabeculações por si pode não ser suficiente para desenvolver manifestações clínicas. Deste modo, os pacientes podem estar assintomáticos ou apresentar sintomas de insuficiência cardíaca, arritmias ventriculares ou eventos tromboembólicos. 1

A prevalência, dentre os pacientes que realizam ecocardiograma, é menor que 1%. 2

O diagnóstico pode ser realizado através de ecocardiograma ou ressonância magnética cardíaca.

Duas décadas atrás, Jenni e colaboradores, na Universidade de Zurich, realizaram ecocardiogramas regulares de 34 pacientes portadores de MNCVE e, posteriormente, tiveram acesso a sete destes corações, sendo quatro após morte (necrópsia) e três retirados após transplante cardíaco. Resolveram, assim, analisar em detalhes. 3

Perceberam quatro características morfológicas em comum:

1. Outras anormalidades coexistentes estavam ausentes (por definição);

2. Uma estrutura com duas camadas foi observada, sendo uma epicárdica (delgada e compactada) e outra endocárdica (muito mais espessa, não compactada, trabeculada, com espaços profundos no endomiocardio). No final da sístole, a relação entre o MNC e o compactado (MC) era > 2;

3. As localizações predominantes das alterações patológicas foram lateral média (7 de 7 pacientes), apical (seis) e inferior média (sete). Comparando com os achados ecocardiográficos, a hipocinesia não estava confinada somente aos segmentos não compactados;

4. Havia evidência de perfusão profunda, ao color doppler, entre os recessos intertrabeculares;

Publicaram estes achados no Heart, em 2001. O artigo de validação dos critérios saiu no JACC, em 2005. 4

Histopatológico de miocárdio não compactado (Jenni, 2001)


Onze anos depois, em 2012, Jenni e equipe lançaram mais um artigo. 5

Desta vez, estudaram 123 pacientes, sendo 41 com MNCVE, 41 com estenose aórtica moderada a importante (EAo) e 41 controles normais.

As espessuras máximas “não compactada” e “compactada” foram medidas em um padrão ecocardiográfico na janela paraesternal, eixo curto, ao nível médio ventricular esquerdo ou apical, no segmento com os recessos mais proeminentes (nos pacientes com MNCVE) ou trabeculações (nos pacientes com EAo ou controles). 

A média da espessura máxima na sístole (não compactada) foi de 1,8 +- 0,4 cm nos pacientes com MNCVE comparado com 0,2 +- 0,1 cm nos controles e 0,6 +- 0,02 cm nos pacientes com EAo (p < 0,0001). Por outro lado, a espessura sistólica média do miocárdio compactado foi menor nos pacientes com MNCVE (0,5 +- 0,1 cm), quando comparado com os controles (1,2 +- 0,2 cm; p < 0,0001) e nos pacientes com EAo (1,6 +- 0,06 cm; p < 0,0001). A espessura compactada sistólica máxima foi de 8,1 mm nos pacientes com MNCVE, quando comparada com > 8,1 mm (p < 0,0001) nos controles e > 8,1 mm nos pacientes com EAo (p < 0,0001).

Os autores concluíram que a espessura sistólica máxima compactada < 8 mm seria específica de MNCVE e permitiria a diferenciação com os corações normais, bem como com a hipertrofia ventricular causada pela EAo.

A partir destes achados, foram criados os critérios de Jenni para o diagnóstico ecocardiográfico de MNCVE, sendo necessária a presença dos quatro itens para fechar o diagnóstico:

1. Ventrículo esquerdo (VE) espessado, contendo duas camadas nítidas (uma epicárdica, compactada, e outra endocárdica espessada, contendo numerosas e proeminentes trabeculações, com recessos profundos da região não compactada para a compactada), sendo a relação entre o MNC e o MC >= 2,0, medida no final da sístole (ou seja, o MNC precisaria ter pelo menos o dobro da espessura do MC)

2. Color doppler, mostrando fluxo nos recessos intertrabeculares

3.  Localização característica: malha trabecular proeminente no ápice do VE OU nos segmentos médios da parede lateral e inferior

4. MC na sístole <= 8.1mm

Adicionalmente, hipocinesia dos segmentos não compactados e de outros adjacentes podem estar presentes.

Como avaliar ao ecocardiograma transtorácico?

a) Janela paraesternal, eixo curto
b) VE médio e apical
c) Parar imagem no final da sístole
d) Comparar porção não compactada com a compactada do VE
e) medir quantos centímetros de MC e quantos de MNC, fazer a relação MNC/MC (observar se  >= 2)
f) usar o doppler color nos recessos intertrabeculares

Por se tratar de doença rara, os trabalhos tiveram um número pequeno de pacientes.

Para finalizar, é interessante registrar que existem outros critérios ecocardiográficos, menos utilizados, para o diagnóstico de MNCVE, como os de Chin e também o de Stöllberger. 6-7




Fontes:
1. Lofiego C, Biagini E, Pasquale F, Ferlito M, Rocchi G, Perugini E, et al. Wide spectrum of presentation and variable outcomes of isolated left ventricular non-compaction. Heart 2007;93:65-71

2. Aras D, Tufekcioglu O et al. Clinical features of isolated ventricular noncompaction in adults long-term clinical course, echocardiographic properties, and predictors of left ventricular failure. J Card Fail. 2006 Dec;12(9):726-33.

3. R Jenni, E Oechslin, J Schneider, C Attenhofer Jost, P A Kaufmann. Echocardiographic and pathoanatomical characteristics of isolated left ventricular non-compaction: a step towards classification as a distinct cardiomyopathy. Heart. 2001;86(6):666.

4. Frischknecht BS, Attenhofer Jost CH, Oechslin EN, Seifert B, HoignéP, Roos M, Jenni R. Validation of noncompaction criteria in dilated cardiomyopathy, and valvular and hypertensive heart disease. J Am Soc Echocardiogr. 2005;18(8):865.

5. Gebhard C, Stähli BE, Greutmann M, Biaggi P, Jenni R, Tanner FC. Reduced left ventricular compacta thickness: a novel echocardiographic criterion for non-compaction cardiomyopathy. J Am Soc Echocardiogr. 2012 Oct;25(10):1050-7. Epub 2012 Aug 9.

6. Chin TK, Perloff JK, Williams RG, Jue K, Mohrmann R. Isolated noncompaction of left ventricular myocardium. A study of eight cases. Circulation. 1990;82(2):507.

7. Stöllberger C, Finsterer J, Blazek G. Left ventricular hypertrabeculation/noncompaction and association with additional cardiac abnormalities and neuromuscular disorders. Am J Cardiol. 2002;90(8):899.

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