Qual a melhor técnica de fixação do marca-passo transvenoso? FIX-IT trial

 Mardson Medeiros, com a colaboração de Bruno Miranda  /

Atualizado em 13/02/023



Pacientes que apresentam bradicardia sintomática podem necessitar de marca-passo transvenoso.

Este dispositivo, no entanto, pode apresentar algumas complicações como infecção de corrente sanguínea e deslocamento do eletrodo com perda de comando, aumentando o risco de síncope ou até mesmo parada cardiorrespiratória.

No FIX-IT trial, foram comparados dois métodos de fixação do marca-passo provisório (MPP) transvenoso (TV). [1]

No grupo 1, foi realizada uma fixação direta na pele, sem o introdutor e sem a capa plástica (figura 1). No grupo 2,  manteve-se o introdutor venoso conectado à proteção plástica por todo cabo-eletrodo do marca-passo (figura 2).




A fixação do cabo-eletrodo do grupo 1 foi realizada com fio nylon 3.0. Terminado o posicionamento do eletrodo no coração, retirou-se o introdutor venoso e em seguida realizou-se a fixação inicial na inserção do cabo-eletrodo na pele com um ponto em U seguido por três bailarinas comuns (sem dar ponto na pele), intercaladas com outras três com ponto na pele, onde a extremidade agulhada do fio foi cruzada dando um pequeno ponto na pele por debaixo do eletrodo (ponto de ancoragem: leia o apêndice 2, ao final deste texto). Ao término de cada bailarina, bem como no ponto em U inicial, realizou-se um nó duplo (“nó de cirurgião”: veja vídeos no apêndice 1, abaixo), seguido de outros dois nós simples. A distância da inserção do cabo-eletrodo até a última bailarina foi sempre inferior a 2 centímetros. 

Os pacientes do grupo 2 não tiveram seus cabos eletrodos fixados diretamente à pele, mas mantidos com o respectivo introdutor vascular presente no material disponível para passagem, e esse fora conectado com a proteção plástica ao redor do cabo-eletrodo, fixando o conjunto (cabo-eletrodo e proteção plástica) através de uma trava em sua extremidade oposta ao introdutor. Manteve-se apenas um ponto fixando o introdutor com a pele. Não houve sutura do cabo-eletrodo diretamente à pele, envolvendo a proteção plástica

Randomizaram-se 40 pacientes, 20 em cada grupo. Registraram-se dados referentes ao tempo do procedimento, posição do cabo-eletrodo, limiares de comando, sensibilidade e complicações. Consideraram-se como desfecho primário a necessidade de reposicionamento ou troca do MPP transvenoso e desfecho secundário qualquer complicação sem a necessidade de reposicioná-lo.

Os resultados demonstraram que não houve diferenças significativas na duração total do procedimento entre os grupos na posição inicial do eletrodo e na via de acesso utilizada. O grupo com a proteção plástica apresentou desfecho primário maior (60%) em relação ao grupo de fixação direta (20%; p = 0,0098), sendo o deslocamento do cabo-eletrodo a complicação mais frequente. Não houve diferenças em relação ao desfecho secundário (p = 1,0). O grupo com proteção plástica também apresentou mais complicações totais em relação ao outro grupo (p = 0,0262).

Não houve pacientes com hemotórax, tamponamento cardíaco, trombose venosa ou infecção do sistema de estimulação temporária no FIX-IT trial. Foram registrados quatro óbitos durante o seguimento dos pacientes, sendo dois em cada grupo. No grupo 2, ambos os óbitos foram decorrentes de choque séptico secundário à pneumonia nosocomial, assim como um dos óbitos do grupo 1. O outro óbito desse grupo ocorreu devido a complicações decorrentes de choque cardiogênico.

Este trabalho mostrou uma quantidade muito maior de deslocamentos de eletrodo no grupo 2 em relação ao grupo 1, sugerindo que o método de fixação do MPP com apenas a proteção plástica e o introdutor vascular aumentam o risco para deslocamentos. É importante ressaltar que todos os pacientes que atingiram o desfecho primário apresentaram deslocamento do eletrodo, o que tornou essa complicação a mais comum no cenário estudado.

Os autores concluem que, “ante a necessidade do uso de MPP TV, a fixação direta do cabo-eletrodo à pele após implante endocavitário resulta em taxa significativamente menor de complicações, tais como deslocamentos de cabo-eletrodo, evitando a necessidade de reposicionamento ou troca do dispositivo”.


Comentários:

A principal limitação deste trabalho é o pequeno número de pacientes, reduzindo o poder estatístico.

Houve cenário não testado no presente estudo, que seria o de manter o introdutor e a proteção plástica, reforçando a fixação do eletrodo com nó tipo “bailarina” sobre o plástico (figura 3).

Figura 3. Fixação plástica e nó tipo “bailarina” sobre o plástico. Fonte: arquivo pessoal.


Na prática clínica, importante lembrar que, caso opte por retirar o introdutor, é preciso confirmar se o paciente não está em uso de anticoagulante, pois o orifício gerado pelo introdutor é maior que a espessura do eletrodo e isto poderia desencadear sangramentos. No caso de o paciente estar sob efeito de anticoagulante, no momento do implante do MPP, recomenda-se manter o introdutor para evitar sangramento e preferir acesso vascular compressível como a veia jugular interna.

Alguns serviços, mesmo sem o uso da proteção plástica, preferem manter o introdutor.

Ponto negativo da fixação direta, sem a proteção plástica e introdutor, é que não permite o reposicionamento do eletrodo em caso de deslizamento, sendo necessária uma nova punção com implante de outro eletrodo transvenoso.

Uma vantagem da fixação com proteção plástica seria permitir o reposicionamento do eletrodo em caso de deslizamento, sem a necessidade de troca do kit, pois o
ambiente interno estaria estéril. Outra possível vantagem seria o de reduzir os índices de infecção. Contudo, não houve diferença entre os grupos quanto a infecção do sistema de estimulação temporária no FIX-IT trial, mas este não foi o objetivo primário do estudo, não tendo poder suficiente para responder sobre este desfecho. 



Referência bibliográfica:
1. Galvão RC, Papel B, Neves RAL et al. Comparação entre 2 Métodos de Fixação de Marcapasso Provisório Transvenoso: FIX-IT Trial. J. Cardiac Arrythmias, São Paulo, v32, n2, pp. 101-107,  Abr-Jun, 2019


Apêndices 1 e 2

1. O “nó de cirurgião”: vídeos
Vídeo 1. Nó de cirurgião (técnica de Pauchet)

Vídeo 2. Nó de cirurgião com as mãos


2. Fixação em pontos separados
Figura 3. Ponto de ancoragem*

Apenas um único nó é necessário para o ponto de ancoragem ao músculo.  Múltiplos nós de ancoragem devem ser evitados para minimizar a sutura retida.



Figura 4. Fixação em pontos separados*

Após o ponto de ancoragem, que vai ficar rente à pele, inicia-se o processo de fixação do eletrodo com o nó de cirurgião, sendo o primeiro duplo, seguido de dois simples.

Deve-se utilizar um nó de cirurgião completo.  O primeiro laço do nó, que é duplo, deve ser aplicado com força, pois este é o nó mais crítico para manter a aderência e evitar o deslocamento do eletrodo. Realizar também a inversão da direção dos nós – isso é essencial para um nó adequado – especialmente para fios revestidos escorregadios ou sintéticos, como o mononylon.

Uma vez que a fixação tenha sido concluída, um puxão suave deve ser aplicado ao eletrodo para verificar a aderência adequada.


*Anchoring leads: technique of Anchoring Leads Using Sleeves. Disponível em https://www.howtopace.com/anchoring-of-leads/. Acessado em 13/12/2022.

Agradecimento especial ao dr. Bruno Miranda, que sugeriu as referências.


Anchoring of Leads

Technique of Anchoring Leads Using Sleeves




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